domingo, 14 de julho de 2013


RESUMO : A SALVAÇÃO DE JESUS CRISTO

A DOUTRINA DA GRAÇA

TEXTOS :  7 AO 12

MIRANDA, M.F.

 

 

A dimensão martirial, pronunciamento do magistério da Igreja nos alertam para esta realidade de uma vida dos cristãos e a tornam mais próxima a nós do que poderíamos pensar.

“A consciência que a Igreja tem de sua missão evangelizadora a tem levado, nestes últimos dez anos, a suportar em seus membros a perseguição e, ás vezes, a morte, como testemunho de sua missão profética “ (92).]

Essas declarações do magistério eclesiástico despertam em nós questões que atingem, diretamente, nosso estudo sobre a salvação cristã.

A práxis e a pregação de Jesus Cristo, é extremamente difícil para nós hoje, reconstruir a história concreta de Jesus de Nazaré, já que o Novo Testamento representa o testemunho de fé da comunidade primitiva á luz da ressurreição. Já sabemos que Jesus Cristo experimentou conflitos em sua vida, foi mesmo perseguido e teve uma morte violenta.

Outro ponto de atrito estava na abertura universal de seu comportamento e de sua mensagem. De fato, teve trato com homens e mulheres de todas as classes, sem discriminação alguma, mesmo com os que eram malvistos pela sociedade. Demonstrou mesmo maior predileção pelos marginalizados, pelos pobres, pelos pecadores.

Jesus naturalmente percebe que a rejeição das autoridades significava uma ameaça à sua vida, e procura compreender este fato histórico à luz do desígnio de Deus, como foi uma constante em toda a história de Israel

Jesus permanece firme em seu compromisso pelo Reino, abandonando-se numa obediência radical a vontade do Pai, mesmo quando esta lhe parece reservar um destino semelhante ao dos profetas.

Jesus exprime essa convicção num paradoxo que, em substância, remota a ele próprio. “ Quem quiser salvaguardar sua experiência a perderá, e quem perde sua existência a salvaguardará “ ( Mat. 16:25; Mc 8:35; Lc 9:24 ).

Os primeiros cristãos experimentaram logo as aflições e os sofrimentos da perseguição, interpretando-os á luz da vida de Jesus Cristo.O que se passará com o Mestre havia de se  na vida do cristão.

A entrega da vida terrena é para João a revelação do amor ( I Jo 3,16 ), a manifestação mais perfeita da atitude fundamental cristã ( Jo 15,13 ), porque ela é semente da vida plena ( Jo 12,24 ).

A perseguição ao cristão começou primeiramente da parte dos judeus ( At 1,1-3.21;  5,12-21.40; 7,57-60;  12,2s; 16,22-24 etc) por razões religiosas. Na verdade, a religião do Império Romano estava centrada no Estado e no culto ao imperador. O cristianismo, contudo, minava de certo a unidade política do império.

A perspectiva do martírio era nessa época uma realidade inevitável na vida cristão . “ Qualquer que tenha sido em definitivo o número de mártires, nas diversas formas em que se apresentou, nos três primeiros séculos a legislação contra a Igreja, é certo que todo cristão é por definição um candidato á morte “ ( Bardy ).

O testemunho do mártir atinge primeiramente a própria comunidade cristã fortalecendo-a na  fé, afirmando a presença atuante de Cristo entre os seus e, aparecendo, assim como um testemunho do próprio Cristo.

Num mundo marcado pelo pecado, presente não só na cultura, mas também nas instituições da sociedade, que pressionam constantemente o indivíduo a elas aderir, não pode o compromisso cristão pelo próximo deixar de conflitivo.

Assim podemos entender porque o mártir sempre foi considerado na tradição cristã como o discípulo mais perfeito de Jesus Cristo. A entrega da própria vida pelo Reino de Deus demonstra a perfeição amor.

O mártir aparece assim não como uma categoria especial de cristão, um grupo de elite que poderia ousar mais do que os outros. O mártir é o cristão que viveu seu compromisso em circunstância tais que a fidelidade a Reino exigiu a entrega da própria vida.

Não é qualquer morte que pode ser considerada com martírio, mas a  morte que resulta do compromisso com o Reino, que testemunha a adesão a Jesus Cristo, que é uma profissão de fé.

A adesão ao Reino de Deus, o compromisso com a justiça, o esforço constante por viver a atitude fundamental de Jesus Cristo, traduzido nas realizações limitadas, sujeitas ao aperfeiçoamento e, portanto, provisória, condicionadas por novos  e imprevisíveis contextos e desafios, com os quais depara nossa liberdade ao longo de nossa vida, significam, a luz da fé, a

Realização total do ser humano, o que, mais freqüentemente, denominamos salvação. Embora, conforme a opinião dos peritos, a referência explícita a Deus como Pai tenha sido uma constante  na via da de Jesus, já não podemos o mesmo com relação a Deus com o Espírito Santo.

A revelação da pessoa do Espírito  Santo aconteceu diversamente. A comunidade primitiva só lentamente, a luz do evento pascal, foi adquirindo consciência da sua presença e da sua atuação em Jesus de Nazaré.

          O passo seguinte faz remontar a vinda do Espírito ao início não da vida pública, mas da vida terrena de Jesus. É pela “ força do Altíssimo “ que desce sobre Maria ( LC 1,35 ) que o santo que dela nascer será chamado “ Filho de Deus “.

Podemos assim concluir que a história concreta de Jesus Cristo é a de uma vida voltada para o Pai ( e para a missão que este lhe confiara ) na fidelidade ao Espírito que sempre o acompanhava.

Toda a Trindade atua em vista da nossa salvação. A iniciativa totalmente gratuita de nossa salvação cabe ao Pai, como é afirmado no Novo Testamento ( Ef 1,3-10 ) ou implicitamente ( Rom 8,21; Gl 5,13 ), pelo uso do passivo.

O Espírito nos leva á atitude fundamental de Cristo. De fato, o Espírito nos liberta do pecado e da morte ( Rom 8:2 ), da lei ( Gl 4,4-7 ), de tal modo que onde estiver o Espírito do Senhor , ai estará á liberdade ( 2 Cor 3,17 ).

Os primeiros Padres  da Igreja elaboraram uma cristologia  pneumatológica, muito próxima dos textos neotestamentário. Contudo, o surgimento da heresia adocianista, que via em Jesus um simples homem, um profeta a mais que recebe o Espírito Santo, fez com que outro modelo

Cristológico, o da encarnação do Verbo, fosse se impondo cada vez mais. Porém, uma certa omissão do papel e da presença do Espírito Santo não deixará de ter conseqüências negativas nos séculos seguintes, tanto para a cristologia quanto para eclesiologia.

O cristianismo aparece assim como uma religião em que o próprio Deus vem ao encontro de sua criatura, na história ( Jesus Cristo ) e no coração humano ( Espírito Santo ).

Essa  autocomunicação divina que acontece de modo perfeito no céu é, já aqui nesta vida, uma realidade para aqueles que se comprometem com Cristo. O Espírito acompanhou sempre Jesus Cristo em sua vida,. Na fidelidade ao Espírito, durante toda sua história, se tornou Ele o nosso salvador.

É sobre tudo no Espírito que podemos encontrar Cristo, e encontrar Cristo diretamente, pois a mediação do Espírito, por ser Espírito de Cristo e igualmente Espírito que age em nós, representa o horizonte, a priori, desse encontro.

A ação trinitária em nós é dinâmica, pois o Espírito age continuamente sobre nossa liberdade, intensificando nossa orientação profunda de vida pelas opções que desperta e capacita.

Não podemos opor experiência e conceito. Pois toda experiência humana é inteligente, é significativa e, portanto, acontece sempre no interior de um horizonte de compreensão que lhe confere sentido e identidade.

Discurso teológico e experiência cristã implicam-se reciprocamente. É na experiência que a elaboração conceitual surge, cresce e recebe sua aprovação final.

Então, a tematização da experiência começou a ser realizada por uma nova ciência, a espiritualidade, enquanto a teologia se afastava da vida e dos problemas reais, perdendo-se em disputas de escolas, perfeitamente dispensáveis, apesar de tudo o rigor e a profundidade que apresentam.

O tratado da graça que deveria ser o coração da existência cristã ficou reduzido, em boa parte, ás disputas estéreis entre molinistas e banezianos. A experiência da ação salvífica de Deus ficou reservada ao restrito circulo dos místicos.

Ainda uma palavra sobre o sentido da expressão “experiência da ação salvífica do Espírito “ ou, mais brevemente, “experiência da graça”. De modo algum  ela significa uma intervenção extraordinária de Deus no curso dos acontecimentos, como se atribui aos milagres.

A Sagrada Escritura repete, utilizando expressões diversas, que a ação salvífica de Deus atinge a pessoa em sua totalidade e que, portanto, ela tem certa consciência dessa ação. Assim era evidente para Paulo que o cristão experimentava em si a ação do Espírito Santo, como uma vivência muito pessoal: “ Este Espírito mesmo afasta ao nosso espírito que somos filhos de Deus “ ( Rm 8,16 ).

Posteriormente, com o advento da escolástica, racionalista e plena de distinções, a doutrina da experiência da graça quase desaparece.

O que assegura a certeza da salvação é a própria fé. Portanto, não é uma certeza teórica, mas existencial, que se ilumina no interior da fé vivida.

Já o Concílio de Trento parte de uma  concepção escolástica de fé ( as sentimento intelectual as verdades reveladas por Deus ) e rejeita uma certeza intelectual absoluta sobre a graça criada.

O Concílio não nega a misericórdia de Deus nem a eficácia da redenção de Cristo, e sim a possibilidade do saber absoluto sobre o próprio estado diante de Deus, devido á “fragilidade” e a “falta de disposição” próprias da condição humana ( DS 1534; 1563 ).

A experiência humana, enquanto humana, é um fenômeno captado e percebido pelo ser humano. Nela entra não só a percepção, mas também o pensamento que a entende como tal.

O quadro interpretativo implica modelos de pensamento, tórias, valores, sentimentos, expectativas que constituem a linguagem da época.

Não temos propriamente um conhecimento da ação de Deus em nós, e sim uma consciência dela. Pois temos consciência de certas realidades que não conseguimos tematizar ou traduzir em conceitos. Assim, por exemplo, o amor. Quem ama tem consciência de quem ama, mesmo que não saiba explicar o que sente, ou faca erroneamente.

Deus, sendo transcendente, jamais poderá ser objeto de uma experiência humana. Assim não podemos propriamente falar de   uma   “ experiência de Deus “.

O início do cristianismo se deu porque os primeiros discípulos fizeram uma experiência de plenitude com a pessoa de Jesus Cristo. Como dizia Pedro : “Senhor, a quem iremos ? Tu tens palavras de vida eterna “ ( Jô 6.68 ).

A experiência da ação salvifica de Deus atinge a totalidade da pessoa, possuindo assim uma evidência subjetiva que não é interior evidência do conhecimento discursivo, embora não goze de sua transparência.

Portanto, só a pessoa que ama tem consciência “de dentro” da ação, que esta resulta da ação do Espírito. Pois não podemos separar e distinguir nossas próprias realizações do que o Espírito realiza em nós.

Por conseguinte, todo compromisso com o próximo tem uma dimensão de ambigüidade. Já a escolha das mediações reflete a consciência de cada um e não pode ser julgada de fora pelos contemporâneos. Do que vimos até aqui, já nos deve ser claro que a ação do Espírito em nós nunca deve ser buscada por si mesma, como uma meta. A meta é sempre o próximo (Deus).Pois essa ação nos impele pata fora de nós mesmos em direção a outro.

Também podemos concluir do que foi anteriormente dito que a experiência da ação salvifica do Espírito nada tem de um hedonismo espiritual, mas representa apenas o lado experiencial da atitude fundamental cristã, a qua se situa entre o “ver como um espelho” e o “ver face a face” ( 1 Cor1312).

Podemos constatar hoje uma crítica generalizada a uma visão reducionista da salvação cristã que limita a ação salvifica de Deus ao ser humano, deixando em silêncio o restante mundo criado. Sem dúvida, o tema está profundamente ligado ás atuais preocupações da humanidade com seu habitat e, conseqüentemente, com seu futuro.

No início de sua história, a criação era para Israel não um pressuposto básico, aceito sem mais. Sabemos que a fé no Deus criador apareceu tardiamente,  pois o centro da vida religiosa de Israel era a Aliança com Deus, que o tornava o povo eleito. Somente por ocasião do deserto para Babilônia emerge na consciência religiosa do povo a fé no Deus criador.

Mais ainda, o ser humano se destaca do restante mundo criado por receber a tarefa de exercer o governo, próprio de Deus, sobre a criação. Ele é chamado a ser representante, lugar-tenente de Deus, sendo criado á imagem e semelhança de Deus ( Gn 1,26 s.; Sr 17,3 ).

Paulo relembra uma já  rica teologia veterotestamentária sobre a criação sobre a criação a partir de Cristo ressuscitado. Ele também apresenta em sua soteriologia uma forte unidade entre a dimensão antropológica e a cosmológica. O ser humano é visto em sua relação com Deus, com o semelhante e com o mundo.

A morte e ressurreição de Cristo abrem a possibilidade de uma existência nova, conforme o pensamento histórico-salvifico de Paulo, que não se limita a uma leitura antropológica somente, pois é completada pela continuação do  versículo: “ o mundo antigo passou, eis que ai está uma realidade nova “ (  2 Cor 5,17 ). Daí também a vaidade de uma compreensão cósmico-apocalíptica.

Paulo distingue da criação ( mundo criado infra-humana ) os filhos de Deus, conduzidos pelo Espírito e herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo.

Sintetizando, podemos afirmar que Paulo não separa história e natureza nem antropologia e cosmologia, demonstrando especial interesse pelo destino final do ser humano e do mundo criado. Ele não pensa o ser humano separado do mundo.

A ação de Deus “para fora” de si, que a tradição atribuía indistintamente as três pessoas trinitárias, afirmando apenas que algumas ações seriam mais próprias dessa ou daquela pessoa, deixa sem resposta a questão sobre o fundamento de tal “apropriação”. Por outro lado, relacionar a vida intratrinitária de Deus com suas ações no mundo e na história não só resolve essa dificuldade, como também lança nova luz sobre o sentido do universo e da humanidade, visto numa perspectiva trinitária que diz mais do que a simples relação do Criador com sua criatura.

Não podemos indicar um motivo para a criação fora de Deus. Ao dizer, entretanto, que Deus criou o mundo em total liberdade, para que outros pudessem participar de sua felicidade eterna, estamos afirmando que o universo é expressão do amor infinito de Deus.

Jesus Cristo nos revela em sua vida, palavras e atitudes, um relacionamento peculiar com Deus, a quem invoca como seu Pai  e para o qual orienta fielmente toda a sua existência.Esse relacionamento implica distinção do Pai, submissão ao Pai, obediência ao Pai, deixar-se dispor pelo Pai, abandonar-se ao Pai, reconhecê-lo como o único Deus, levar a humanidade a reconhecer sua soberania.

Acolher  Deus como Deus assumindo a atitude filial de Jesus Cristo é aceitar o governo de Deus sobre a realidade e sobre a humanidade, é servir ao Reino de Deus, Sua plenitude consiste “ na liberdade e na glória dos filhos de Deus “ ( Rm 8,21 ).

Desse modo, temos uma melhor compreensão da mediação do filho na criação expressa em vários textos neotestamentário ( Cl 1,15-20; Hb 1,2  s.; Jo 1,1-3 ), que se situam numa perspectiva histórico-salvífica e escatológica, como vimos anteriormente.

Ação criativa de Deus não se limita ao início de toda a realidade, pois criando o mundo, Deus criava também o tempo. Seu ato criador, portanto, se situa na eternidade, e não no tempo.

Numa perspectiva trinitária, a ação criadora do Pai se fundamenta em seu amor pelo filho, nele amando todas as criaturas, a começar pela humanidade de Cristo. Apenas o ser humano conhece conscientemente e, portanto, pode seguir esse dinamismo do Espírito.

A consciência e a identidade das criaturas está em assumir a atitude filial de Jesus Cristo, possibilitada pelo dinamismo do Espírito de Cristo nelas presente. Assim elas participam da própria vida de Deus. Estreitamente relacionadas com o ser humano, pois este pode, consciente e livremente, ser filho no Filho, concretizando o desígnio último de Deus para criação.

Dado que a história di ser humano é a história de sua liberdade, e se  essa liberdade se realiza no mundo da natureza, então a história humana está intimamente unida á história da transformação ou humanização dessa natureza, estando aqui incluída a evolução natural do mundo.

Neste ponto já se pode facilmente entender que a ruptura do ser humano com desígnio salvifico de Deus não só incide danosamente sobre ele próprio e sobre seus semelhantes, mas também sobre a natureza.

O cristianismo nunca se considerou uma religião de um povo, de uma região ou de apenas parte da humanidade. O que vimos anteriormente sobre nossa criação em Cristo já nos indica que Jesus Cristo é o sentido último da existência humana, sua finalidade e sua realização plena.

Em épocas passadas, a existência de outras religiões não constituía  tanto uma questão teológica e sim um estímulo missionário para o cristianismo. Adeptos de outras religiões  convivem tranquilamente com o cristianismo, conhecem-no e não se abalam em sua própria adesão religiosa.]

Não podemos condenar ao inferno os que estão fora da Igreja, como já sucedeu no passado, nem ir ao outro extremo e afirmar que todas as religiões são boas e salvam seu adeptos desde que estes as vivam com seriedade, pois estaríamos negando verdades centrais da fé cristã!.

O Novo Testamento é claro nas afirmações sobre o papel único de Jesus Cristo como Salvador de todos. Se alguém fosse inferir desses dados uma exclusividade salvífca para Israel, seria desmentido por outras afirmações do próprio Novo Testamento que indicam não estar esta salvação limitada ao âmbito do povo eleito.

O Novo Testamento apresenta outros elementos do caráter universalista da salvação cristã.Pelo fato de ser uma ação escatológica de Deus ( Rom.3,25 s ), definitiva e válida para sempre, ela não pode ser original ou particularista.

O problema da tensão entre particularidade e universalidade da salvação cristã vai girar durante certo tempo em torno de uma expressão lançada por S.Cipriano, embora já presente nos escritos de Origenes; “ Fora da Igreja , não há Salvação “.

Cresce assim a consciência de fé que as pessoas fora da Igreja possam se salvar. Também acontece uma transformação samântica no termo Igreja. Com o surgimento do iluminismo, ganha força um certo indiferentismo em matéria religiosa ( todas as religiões são boas ), reforçado pelas filosofias racionalistas da época.

O sentido da expressão consiste  em reafirmar que a economia salvifica querida por Deus passa  necessariamente por Cristo, e  por se Corpo, a Igreja, sem emitir um juízo sobre a salvação efetiva dos que se acham fora dela.

O Concílio Vaticano II já dá passos importantes na linha da universidade da salvação cristã. Pio XII, na Mystici corporis, identificava o Corpo Místico de Cristo com a Igreja Católica e, conseqüentemente, apenas aceitava que os cristãos não católicos de boa vontade estivessem “ordenados” a este Corpo Místico por um desejo que se ignorava ( DS 3821 ). A constituição Dogmática Lumen gentium, entretanto, afirma apenas que a igreja de Cristo “ subsiste ” na Igreja Católica ( LG 8 ).

Desse modo, reconhece nas comunidades criastãs não católicas a ação salvífica do Espírito Santos, ação que suscita em todos o desejo e a ação em vista de se constituir um só rebanho sob um único Pastor ( LG 15 ).

A convicção tranqüila e bem fundamentada que alcançou o Concílio acerca da salvação dos não cristãos não chegou a se constituir, quando se tratou de responder a questão sobre o sentido das outras religiões e sobre sua capacidade salvífica. O tema era novo, e a reflexão teológica da época não havia ainda amadurecido uma resposta.

A dificuldade encontrada pelos bispos do Vaticano II em reconhecer o valor salvífico das outras religiões vai se refletir  nos ensinamentos de Paulo VI. Esse fato aparece com toda nitidez na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, de 1975.

A visão de João Paulo II n que concerne ás outras religiões aparece já em sua primeira encíclica, Redemptor hominis ( 1979 ), quando reconhece a atividade do Espirito Santos nos adeptos de outras religiões ( RH 6 ).

O pensamento de João Paulo II  aparece, mais sitematizado e fundamentado, em sua encíclica sobre a validade permanente do mandato missionário, Redemptoris Missio, de 1990. De um lado, o texto reafirma Jesus Cristo como salvador único e universal da humanidade, de outro, reconhece que  “ o Espírito está na própria origem da questão existencial e religiosa do homem ” ( RM 28 ).

Salva a mediação salvífica de Jesus Cristo, única e universal, “ não se excluem mediações participadas de diverso tipo de ordem, todavia elas recebem significado e valor unicamente da de Cristo e não podem ser entendidas como paralelas ou complementares desta “ ( RM 5 ).

A salvação da pessoa humana consiste em acolher o próprio Deus que se doa a si próprio a humanidade por intermédio de Jesus Cristo, e na força do Espírito Santo. A mediação de Jesus Cristo, nossa salvação, consiste em toda a sua existência terrena, sua morte e sua ressurreição.

Podemos já oferecer uma resposta fundamentando-nos no que expusemos até aqui. Toda pessoa humana foi criada para acolher a Deus como o sentido último de sua vida, como sua realização suprema, numa palavra, como sua salvação.

A ação salvífica do Espírito de Deus não se limita ao interior do cristianismo, pois ele é derramado sobre toda a humanidade ( At 2:17 ) e “ sopra onde quer “ ( Jo 3:8 ), precedendo mesmo com sua atividade a proclamação explicita da mensagem cristã ( At 10, 19.44-47 ).

Nesse sentido, podemos dizer que o Espírito Santo universaliza a obra salvífica de Jesus Cristo, inevitavelmente histórica, particular, contextualizada e, portanto, limitada.

A reflexão acima exposta fundamenta teologicamente a possibilidade da ação salvífica do Espírito de Cristo entre os membros de outras religiões. Os adeptos de outras religiões fazem experiências salvíficas, chegam a paz interior, a felicidade, a liberdade de espírito, a temperança, ao respeito pelo semelhante e ao amor fraterno. Seus itinerários salvíficos podem ser  diversos das rotas cristãs, pois a ação salvífica do Espírito não pode ignorar o contexto em que atua, a visão religiosa dominantes e a ética que lhe corresponde.

Práticas diferentes das cristãs podem também conter autentica ação do Espírito, porque só assim pode ser expressa naquele contexto cultural e religioso. No ponto a que chegamos, podemos melhor compreender o otimismo  salvífico do Concílio Vaticano II com relação “ aqueles que sem culpa não chegaram a um conhecimento expresso de Deus e se esforçam, não sem, a divina graça, por levar uma vida reta “ ( LG 16 ).

Sabemos que os testemunhos bíblicos do Antigo Testamento são bastante severos com as outras religiões. Seus ídolos nada são para fé israelita. Essa atitude critica continuou nos primeiros séculos do cristianismo, mais indulgente e aberto as filosofias do tempo.

O ser humano, como ser eminentemente social, organiza o modo de vida  em comum com os demais, criando cultura, linguagem, padrões de comportamento, instituições, tradições religiosas. A maior aproximação do cristianismo com as demais religiões não implica que a recusa de aderir a fé cristã já signifique uma rejeição da ação do Espírito Santos. Pois não existe fé cristã em estado puro, já que é sempre expressa e vivida no interior de uma determinada cultura.

Nossas expressões de fé carregam sempre as características da imperfeição, do provisório e da fragilidade humana. Nenhuma cultura exaure as potencialidades do ser humano. Jesus Cristo viveu no interior de uma cultura semita e como revelador de Deus o fez como um semita.

Mas também as demais religiões, enquanto exprimem a ação do Deus transcendente, necessariamente captam e tematizam experiências salvíficas subjacentes nos respectivos contextos socioculturais.

Atualmente, a presença atuante do Espírito de Cristo na outra religiões, tal como expusemos acima, questiona a concepção tradicional de missão. Essa pressupunha nos povos a evangelizar não só o desconhecimento da salvação cristã, mas ainda a ausência dela nesses povos.

Hoje temos forte consciência de que a atividade missionária tem no melhor conhecimento das outras culturas e no diálogo inter-religioso sua mais forte motivação.

Acolher a ação salvífica do Espírito que nos leva ao seguimento de Jesus Cristo já é experimentar a salvação oferecida pelo Pai. Acolher a ação do Espírito significa necessariamente, já que não somos puros espíritos, expressar nossa atitude fundamental cristã e visibilizar nosso compromisso com o Reino de Deus.

Viver uma vida orientada para Deus e o irmão não torna o cristão imune aos conflitos, as tensões, as tentações e as possíveis desvios e retrocessos.

São Paulo é muito claro ao afirmar que o Espírito de Cristo, que está presente e ativo em nós, liberta-nos da lei do pecado e da morte, faz-nos viver uma nova vida, inspira-nos um outro comportamento e capacita-nos a caminhar sob sua inspiração ( Rm 8, 1-17 ). Contudo, o mesmo S. Paulo adverte  os cristãos para que não sejam presumidos ( Rm 11,20; I Cor 10,12 ), pois também ele podem cair em conseqüência das preocupações egoístas que buscam satisfazer suas cobiças.

Daí a freqüência com que aflora nos escritos neotestamentários a exortação a vigilância. Também os cristãos podem desperdiçar a graça de Deus a regenerar Jesus Cristo ( Jd 4 ), podo-se numa situação pior do que a que antecedeu sua conversão ( Lc 11,26 ).

O cristão, como vimos, é aquela pessoa que procura viver para o semelhante, na fidelidade possível á ação do Espírito, experimentando aí  profunda realização existencial e o sentido último de sua biografia. Já vimos que o ser humano, como espírito encarnado, se realiza no confronto com o mundo externo, que constitui a situação em que se encontra sua liberdade.

Por outro lado, esses elementos da situação concreta em que se encontra a liberdade dispõem de leis, de finalidades e de tendências próprias que pressionam para alcançar satisfações imediatas, objetivos particulares ( setoriais ), soluções correspondentes e harmônicas.

A cultura dominante na atual sociedade é profundamente individualista e hedonista, privilegiando o lucro e a produtividade em prejuízo da pessoa humana. Ele não só gera desigualdades escandalosas e maiorias carentes, mas pressiona a liberdade dos cristãos, dificultando a vivência dos valores evangélicos.

O cristão vive a atitude fundamental de Jesus Cristo por meio de suas opções concretas, as quais por sua vez, se constituem no confronto com a situação presente. A opção representa sempre uma síntese da liberdade original e da situação em que se concretizou.

E, além disso, devemos considerar que também somos co-autores da situação concupiscente em que se encontra nossa liberdade, em razão dos resíduos dos pecados passados e, nós e da repercussão deles nos outros.

Quanto mais avançamos no seguimento de Cristo, tanto mais percebemos a ação do Espírito em nós e tanto mais experimentamos quão prosaico e atrofiado é nosso amor fraterno, quando confrontado com o amor radical de Deus por nós.

Já vimos como o processo de libertação da liberdade amadurece pelas opções concretas boas, no confronto constante  com a situação encontrada, exigindo, por vezes, generosidade e renúncia. A experiência nos demonstra que novos apelos e novos imperativos solicitam o cristão ao longo de toda a sua vida.

De fato, essa orientação se assemelha ao equilíbrio de  uma bicicleta, que só existe quando este veículo está em movimento. Se caracterizamos mérito a exigência legal de uma recompensa justa por alguma realização, podemos dizer que tal idéia é estranha ao Antigo Testamento.

O ser humano jamais se coloca diante de Deus como diante de um igual,  para reivindicar recompensas pelo que fez. O Novo Testamento, apesar das imagens e dos conceitos que indicam a influência do judaísmo ( Mt 5,12; 6,1; 10,41 s.; Lc 6,23; 14,11 etc. ), a mensagem de Jesus Cristo separa mérito de recompensa.

Porque o ser humano é um servo inútil, incapaz de reivindicar pagamentos a Deus ( Lc 17,7-10 ). Com sua doutrina da  justificação, Paulo rejeita pela base a concepção farisaica do mérito.

Ninguém se salva pelas obras da lei ( Rom 3,9-20 ), e o valor salvífico de que fazemos de bom tem sua razão em Jesus Cristo, como bem observa São João na parábola da vinha e dos ramos  ( João 15,1-6 ).

Agostino foi o primeiro teólogo a apresentar uma reflexão mais sistemática sobre esse tema. Afirmava ele que o ser humano está de tal modo marcado pelo pecado que, o que faz de bom, o faz pela graça de Deus.

Duns Scoto separa ato bom do mérito respectivo, e os nominalistas vão além, afirmando que Deus pode, em sua autonomia ( potência absoluta ), reconhecer como meritórios os atos bons do pecador. Aceitar que o ser humano possa acumular méritos diante de Deus seria cair na tentação do farisaísmo ( Deus nos deve uma recompensa por nossas boas obras e do pelagianismo ( a pessoa pode  realizar algo meritório por suas próprias forças ).

Os luteranos, “ quando vêem as boas obras do cristão como “ frutos “ e “sinais” da justificação, não como  “méritos” próprios, não deixam, no entanto, de considerar a vida eterna como “recompensa” imerecida no sentido de um cumprimento da promessa divina aos fiéis” (DC 39).

Uma reflexão teológica sobre o mérito deve ultrapassar os modelos e as imagens oferecidos pela Sagrada Escritura e ainda presentes na tradição e na terminologia do Concílio de Trento.Tendo presente o conceito d liberdade profunda, visto anteriormente, podemos dizer que ao longo de nossa história vamos nos fazendo e nos plasmando e com nossas opções livres ( liberdade de escolha ). Por outro lado, se observarmos ser a orientação profunda de nossa vida para Deus o amor comprometido pelo próximo necessitado e ser o céu a visão beátifica, a manifestação gloriosa desta realidade escondida e amadurecida até o momento de nossa morte, então concluiremos que os termos mérito e recompensa são apenas expressões pouco felizes para exprimirem a identidade da história da nossa liberdade e da nossa felicidade eterna.

Desse modo, mais do que falar de mérito devido á conotação jurídica que pode ter esta palavra, seria mais oportuno tomarmos como modelo representativo a Aliança gratuita de Deus com seu servo e as  correspondentes promessas divinas. A razão profunda desse fato esta na modalidade do relacionamento entre Deus e nós. Trata-se de uma relação de amor, de se nos doa a si mesmo e nós que nos doamos a Ele como resposta.

O tema clássico do mérito aponta-nos outra questão que não pode ser omitida num estudo sobre a salvação cristã. Nosso compromisso fraterno admite um crescimento, podendo se tornar mais profundo, mais intenso, mais  transparente, mais autentico.

Aliás, o crescimento em  graça vai unido a um progresso no conhecimento de Deus ( Cl 1,10; 2 Pedro 3,18 ). A meta desse crescimento é tornar realidade, do modo mais perfeito possível, a “atitude Cristo”, é formar Cristo em si ( Gl 4,19 ), é se identificar existencialmente com Ele ( Gl 2,20 ),  tê-lo  como a própria vida ( Cl 3,4 ). Elemento decisivo para esse crescimento é o amor fraterno como tão bem enfatiza S. Paulo ( I Cor 13,1-13 ).

Contudo, o crescimento em graça não é simplesmente o resultado de novas opções boas. Pois a liberdade atua sempre numa situação concreta,  de cunho pessoal e  contextual. Essa situação contém necessariamente dinamismos próprios, tensões setoriais, tendências egocêntricas, forças veladas, mas não menos atuantes, de inércia, de rotina e de comodismo.

Portanto, o crescimento em graça não decorre automaticamente das novas opções concretas, mas exige também a purificação dos motivos presentes nas ações que realizamos.

A existência cristã de caracteriza pela atitude fundamental de Jesus Cristo que enquanto vivida na condição humana corpora e social, bem como expressiva e cultural, se manifestará visivelmente na vida de cada cristão e mesmo na sociedade humana.

A Igreja por iniciativa de Deus, que, por intermédio de seu Espírito, convoca homens e mulheres a assumirem a vida de seu Filho Jesus Cristo. A Igreja é obra de Cristo e do Espírito. Jesus Cristo uniu a realidade do Reino de Deus a sua pessoa, a sua práxis.

A ação do Espírito Santo, enquanto livremente acolhida pelos primeiros discípulos, leva-os a confessar Jesus com “ Senhor e Cristo “ ( Atos 2,36 ). A resposta humana também é  constitutiva da Igreja. Mas essa resposta significa entrar em comunhão com o Pai e o Filho ( I João  1,3 ) e com o Espírito ( 2 Cor 13,13 ).

Essas experiências, provenientes do mesmo Espírito e lidas do mesmo Jesus Cristo ressuscitado, não permanecerão  confinadas a cada indivíduo, mas ganharão necessariamente uma dimensão comunitária por serem comuns a todos os que acolhem o Espírito.

O que se proclama afinal é a existência de Cristo, sua atitude fundamental, e também a existência dos Cristãos que buscam viver essa mesma atitude.

Os que aceitam sua proclamação de Jesus Cristo, nossa salvação, reestruturam sua vidas a partir de sua vida, paixão, morte e ressurreição. Assim ganham uma nova identidade social e são conhecidos como cristãos.

Tudo deve contribuir para que ela deixe transparecer o Reino de Deus. Também suas instituições e estruturas devem estar a serviço da ação salvífica do Espírito de Cristo.

Assim um ato sincero movido pelo amor fraterno pode ser interpretado como um ato interesseiro  ou de mera conveniência social. Pode se dar que uma ou outra dessas manifestações denote mais claramente sua raiz cristã pelo que exige de renuncia ou pela novidade que representa.

A ação salvífica do Espírito de Cristo, acolhida pelo ser humano na fé, se manifesta assim em ações visíveis, que nenhum outro objetivo tem a não ser manifestarem essa realidade salvífica.

A graça está aqui para auto-comunicação de Deus e voltada para o semelhante. Conseqüentemente, afirmam  todos os sacramentos a mesma realidade: expressam a atitude fundamental cristã, a resposta da pessoa humana a Deus que ela se doa a si próprio.

A eucaristia desvela se sentido enquanto expressa toda a vida de Jesus Cristo, entregue pela nossa salvação. Os termos “corpo” e “sangue” expressam a própria existência de Cristo. Essa é “dada” por nós é derramada por nós, para remissão dos nossos pecados.

Como Jesus Cristo foi aquele que soube ouvir e por em prática, de modo perfeito, a vontade do Pai, assim sua vida constitui o desenrolar dessa mesma vontade.

Essa oração fundamental está na raiz das diversas modalidades de oração: oração e adoração, de louvor, de petição, de agradecimento, de arrependimento. Todas refletem e se originam da atitude fundamental do cristão, de sua entrega a Deus no semelhante. Quanto mais autenticamente a vivemos, tanto mais autenticamente rezamos.

 

 

 

                                                                             

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