RESUMO
: A SALVAÇÃO DE JESUS CRISTO
A
DOUTRINA DA GRAÇA
TEXTOS
: 7 AO 12
MIRANDA,
M.F.
A
dimensão martirial, pronunciamento do magistério da Igreja nos alertam para
esta realidade de uma vida dos cristãos e a tornam mais próxima a nós do que
poderíamos pensar.
“A
consciência que a Igreja tem de sua missão evangelizadora a tem levado, nestes
últimos dez anos, a suportar em seus membros a perseguição e, ás vezes, a
morte, como testemunho de sua missão profética “ (92).]
Essas
declarações do magistério eclesiástico despertam em nós questões que atingem,
diretamente, nosso estudo sobre a salvação cristã.
A
práxis e a pregação de Jesus Cristo, é extremamente difícil para nós hoje,
reconstruir a história concreta de Jesus de Nazaré, já que o Novo Testamento representa
o testemunho de fé da comunidade primitiva á luz da ressurreição. Já sabemos
que Jesus Cristo experimentou conflitos em sua vida, foi mesmo perseguido e
teve uma morte violenta.
Outro
ponto de atrito estava na abertura universal de seu comportamento e de sua
mensagem. De fato, teve trato com homens e mulheres de todas as classes, sem
discriminação alguma, mesmo com os que eram malvistos pela sociedade.
Demonstrou mesmo maior predileção pelos marginalizados, pelos pobres, pelos
pecadores.
Jesus
naturalmente percebe que a rejeição das autoridades significava uma ameaça à
sua vida, e procura compreender este fato histórico à luz do desígnio de Deus,
como foi uma constante em toda a história de Israel
Jesus
permanece firme em seu compromisso pelo Reino, abandonando-se numa obediência
radical a vontade do Pai, mesmo quando esta lhe parece reservar um destino
semelhante ao dos profetas.
Jesus
exprime essa convicção num paradoxo que, em substância, remota a ele próprio. “
Quem quiser salvaguardar sua experiência a perderá, e quem perde sua existência
a salvaguardará “ ( Mat. 16:25; Mc 8:35; Lc 9:24 ).
Os
primeiros cristãos experimentaram logo as aflições e os sofrimentos da
perseguição, interpretando-os á luz da vida de Jesus Cristo.O que se passará
com o Mestre havia de se na vida do
cristão.
A
entrega da vida terrena é para João a revelação do amor ( I Jo 3,16 ), a
manifestação mais perfeita da atitude fundamental cristã ( Jo 15,13 ), porque
ela é semente da vida plena ( Jo 12,24 ).
A
perseguição ao cristão começou primeiramente da parte dos judeus ( At
1,1-3.21; 5,12-21.40; 7,57-60; 12,2s; 16,22-24 etc) por razões religiosas.
Na verdade, a religião do Império Romano estava centrada no Estado e no culto
ao imperador. O cristianismo, contudo, minava de certo a unidade política do
império.
A
perspectiva do martírio era nessa época uma realidade inevitável na vida
cristão . “ Qualquer que tenha sido em definitivo o número de mártires, nas
diversas formas em que se apresentou, nos três primeiros séculos a legislação
contra a Igreja, é certo que todo cristão é por definição um candidato á morte
“ ( Bardy ).
O
testemunho do mártir atinge primeiramente a própria comunidade cristã
fortalecendo-a na fé, afirmando a
presença atuante de Cristo entre os seus e, aparecendo, assim como um
testemunho do próprio Cristo.
Num
mundo marcado pelo pecado, presente não só na cultura, mas também nas
instituições da sociedade, que pressionam constantemente o indivíduo a elas
aderir, não pode o compromisso cristão pelo próximo deixar de conflitivo.
Assim
podemos entender porque o mártir sempre foi considerado na tradição cristã como
o discípulo mais perfeito de Jesus Cristo. A entrega da própria vida pelo Reino
de Deus demonstra a perfeição amor.
O
mártir aparece assim não como uma categoria especial de cristão, um grupo de
elite que poderia ousar mais do que os outros. O mártir é o cristão que viveu
seu compromisso em circunstância tais que a fidelidade a Reino exigiu a entrega
da própria vida.
Não
é qualquer morte que pode ser considerada com martírio, mas a morte que resulta do compromisso com o Reino,
que testemunha a adesão a Jesus Cristo, que é uma profissão de fé.
A
adesão ao Reino de Deus, o compromisso com a justiça, o esforço constante por
viver a atitude fundamental de Jesus Cristo, traduzido nas realizações
limitadas, sujeitas ao aperfeiçoamento e, portanto, provisória, condicionadas
por novos e imprevisíveis contextos e
desafios, com os quais depara nossa liberdade ao longo de nossa vida,
significam, a luz da fé, a
Realização
total do ser humano, o que, mais freqüentemente, denominamos salvação. Embora,
conforme a opinião dos peritos, a referência explícita a Deus como Pai tenha
sido uma constante na via da de Jesus,
já não podemos o mesmo com relação a Deus com o Espírito Santo.
A
revelação da pessoa do Espírito Santo
aconteceu diversamente. A comunidade primitiva só lentamente, a luz do evento
pascal, foi adquirindo consciência da sua presença e da sua atuação em Jesus de
Nazaré.
O
passo seguinte faz remontar a vinda do Espírito ao início não da vida pública,
mas da vida terrena de Jesus. É pela “ força do Altíssimo “ que desce sobre
Maria ( LC 1,35 ) que o santo que dela nascer será chamado “ Filho de Deus “.
Podemos
assim concluir que a história concreta de Jesus Cristo é a de uma vida voltada
para o Pai ( e para a missão que este lhe confiara ) na fidelidade ao Espírito
que sempre o acompanhava.
Toda
a Trindade atua em vista da nossa salvação. A iniciativa totalmente gratuita de
nossa salvação cabe ao Pai, como é afirmado no Novo Testamento ( Ef 1,3-10 ) ou
implicitamente ( Rom 8,21; Gl 5,13 ), pelo uso do passivo.
O
Espírito nos leva á atitude fundamental de Cristo. De fato, o Espírito nos
liberta do pecado e da morte ( Rom 8:2 ), da lei ( Gl 4,4-7 ), de tal modo que
onde estiver o Espírito do Senhor , ai estará á liberdade ( 2 Cor 3,17 ).
Os
primeiros Padres da Igreja elaboraram
uma cristologia pneumatológica, muito
próxima dos textos neotestamentário. Contudo, o surgimento da heresia
adocianista, que via em Jesus um simples homem, um profeta a mais que recebe o
Espírito Santo, fez com que outro modelo
Cristológico,
o da encarnação do Verbo, fosse se impondo cada vez mais. Porém, uma certa
omissão do papel e da presença do Espírito Santo não deixará de ter conseqüências
negativas nos séculos seguintes, tanto para a cristologia quanto para
eclesiologia.
O
cristianismo aparece assim como uma religião em que o próprio Deus vem ao
encontro de sua criatura, na história ( Jesus Cristo ) e no coração humano (
Espírito Santo ).
Essa autocomunicação divina que acontece de modo
perfeito no céu é, já aqui nesta vida, uma realidade para aqueles que se
comprometem com Cristo. O Espírito acompanhou sempre Jesus Cristo em sua vida,.
Na fidelidade ao Espírito, durante toda sua história, se tornou Ele o nosso
salvador.
É
sobre tudo no Espírito que podemos encontrar Cristo, e encontrar Cristo
diretamente, pois a mediação do Espírito, por ser Espírito de Cristo e
igualmente Espírito que age em nós, representa o horizonte, a priori, desse
encontro.
A
ação trinitária em nós é dinâmica, pois o Espírito age continuamente sobre
nossa liberdade, intensificando nossa orientação profunda de vida pelas opções
que desperta e capacita.
Não
podemos opor experiência e conceito. Pois toda experiência humana é
inteligente, é significativa e, portanto, acontece sempre no interior de um
horizonte de compreensão que lhe confere sentido e identidade.
Discurso
teológico e experiência cristã implicam-se reciprocamente. É na experiência que
a elaboração conceitual surge, cresce e recebe sua aprovação final.
Então,
a tematização da experiência começou a ser realizada por uma nova ciência, a
espiritualidade, enquanto a teologia se afastava da vida e dos problemas reais,
perdendo-se em disputas de escolas, perfeitamente dispensáveis, apesar de tudo
o rigor e a profundidade que apresentam.
O
tratado da graça que deveria ser o coração da existência cristã ficou reduzido,
em boa parte, ás disputas estéreis entre molinistas e banezianos. A experiência
da ação salvífica de Deus ficou reservada ao restrito circulo dos místicos.
Ainda
uma palavra sobre o sentido da expressão “experiência da ação salvífica do
Espírito “ ou, mais brevemente, “experiência da graça”. De modo algum ela significa uma intervenção extraordinária
de Deus no curso dos acontecimentos, como se atribui aos milagres.
A
Sagrada Escritura repete, utilizando expressões diversas, que a ação salvífica
de Deus atinge a pessoa em sua totalidade e que, portanto, ela tem certa
consciência dessa ação. Assim era evidente para Paulo que o cristão
experimentava em si a ação do Espírito Santo, como uma vivência muito pessoal:
“ Este Espírito mesmo afasta ao nosso espírito que somos filhos de Deus “ ( Rm
8,16 ).
Posteriormente,
com o advento da escolástica, racionalista e plena de distinções, a doutrina da
experiência da graça quase desaparece.
O
que assegura a certeza da salvação é a própria fé. Portanto, não é uma certeza
teórica, mas existencial, que se ilumina no interior da fé vivida.
Já
o Concílio de Trento parte de uma
concepção escolástica de fé ( as sentimento intelectual as verdades
reveladas por Deus ) e rejeita uma certeza intelectual absoluta sobre a graça
criada.
O
Concílio não nega a misericórdia de Deus nem a eficácia da redenção de Cristo,
e sim a possibilidade do saber absoluto sobre o próprio estado diante de Deus,
devido á “fragilidade” e a “falta de disposição” próprias da condição humana (
DS 1534; 1563 ).
A
experiência humana, enquanto humana, é um fenômeno captado e percebido pelo ser
humano. Nela entra não só a percepção, mas também o pensamento que a entende
como tal.
O
quadro interpretativo implica modelos de pensamento, tórias, valores,
sentimentos, expectativas que constituem a linguagem da época.
Não
temos propriamente um conhecimento da ação de Deus em nós, e sim uma
consciência dela. Pois temos consciência de certas realidades que não
conseguimos tematizar ou traduzir em conceitos. Assim, por exemplo, o amor.
Quem ama tem consciência de quem ama, mesmo que não saiba explicar o que sente,
ou faca erroneamente.
Deus,
sendo transcendente, jamais poderá ser objeto de uma experiência humana. Assim
não podemos propriamente falar de uma “ experiência de Deus “.
O
início do cristianismo se deu porque os primeiros discípulos fizeram uma experiência
de plenitude com a pessoa de Jesus Cristo. Como dizia Pedro : “Senhor, a quem
iremos ? Tu tens palavras de vida eterna “ ( Jô 6.68 ).
A
experiência da ação salvifica de Deus atinge a totalidade da pessoa, possuindo
assim uma evidência subjetiva que não é interior evidência do conhecimento
discursivo, embora não goze de sua transparência.
Portanto,
só a pessoa que ama tem consciência “de dentro” da ação, que esta resulta da
ação do Espírito. Pois não podemos separar e distinguir nossas próprias realizações
do que o Espírito realiza em nós.
Por
conseguinte, todo compromisso com o próximo tem uma dimensão de ambigüidade. Já
a escolha das mediações reflete a consciência de cada um e não pode ser julgada
de fora pelos contemporâneos. Do que vimos até aqui, já nos deve ser claro que
a ação do Espírito em nós nunca deve ser buscada por si mesma, como uma meta. A
meta é sempre o próximo (Deus).Pois essa ação nos impele pata fora de nós
mesmos em direção a outro.
Também
podemos concluir do que foi anteriormente dito que a experiência da ação
salvifica do Espírito nada tem de um hedonismo espiritual, mas representa
apenas o lado experiencial da atitude fundamental cristã, a qua se situa entre
o “ver como um espelho” e o “ver face a face” ( 1 Cor1312).
Podemos
constatar hoje uma crítica generalizada a uma visão reducionista da salvação
cristã que limita a ação salvifica de Deus ao ser humano, deixando em silêncio
o restante mundo criado. Sem dúvida, o tema está profundamente ligado ás atuais
preocupações da humanidade com seu habitat e, conseqüentemente, com seu futuro.
No
início de sua história, a criação era para Israel não um pressuposto básico,
aceito sem mais. Sabemos que a fé no Deus criador apareceu tardiamente, pois o centro da vida religiosa de Israel era
a Aliança com Deus, que o tornava o povo eleito. Somente por ocasião do deserto
para Babilônia emerge na consciência religiosa do povo a fé no Deus criador.
Mais
ainda, o ser humano se destaca do restante mundo criado por receber a tarefa de
exercer o governo, próprio de Deus, sobre a criação. Ele é chamado a ser
representante, lugar-tenente de Deus, sendo criado á imagem e semelhança de
Deus ( Gn 1,26 s.; Sr 17,3 ).
Paulo
relembra uma já rica teologia
veterotestamentária sobre a criação sobre a criação a partir de Cristo
ressuscitado. Ele também apresenta em sua soteriologia uma forte unidade entre
a dimensão antropológica e a cosmológica. O ser humano é visto em sua relação
com Deus, com o semelhante e com o mundo.
A
morte e ressurreição de Cristo abrem a possibilidade de uma existência nova,
conforme o pensamento histórico-salvifico de Paulo, que não se limita a uma
leitura antropológica somente, pois é completada pela continuação do versículo: “ o mundo antigo passou, eis que
ai está uma realidade nova “ ( 2 Cor
5,17 ). Daí também a vaidade de uma compreensão cósmico-apocalíptica.
Paulo
distingue da criação ( mundo criado infra-humana ) os filhos de Deus,
conduzidos pelo Espírito e herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo.
Sintetizando,
podemos afirmar que Paulo não separa história e natureza nem antropologia e
cosmologia, demonstrando especial interesse pelo destino final do ser humano e
do mundo criado. Ele não pensa o ser humano separado do mundo.
A
ação de Deus “para fora” de si, que a tradição atribuía indistintamente as três
pessoas trinitárias, afirmando apenas que algumas ações seriam mais próprias
dessa ou daquela pessoa, deixa sem resposta a questão sobre o fundamento de tal
“apropriação”. Por outro lado, relacionar a vida intratrinitária de Deus com
suas ações no mundo e na história não só resolve essa dificuldade, como também
lança nova luz sobre o sentido do universo e da humanidade, visto numa
perspectiva trinitária que diz mais do que a simples relação do Criador com sua
criatura.
Não
podemos indicar um motivo para a criação fora de Deus. Ao dizer, entretanto,
que Deus criou o mundo em total liberdade, para que outros pudessem participar
de sua felicidade eterna, estamos afirmando que o universo é expressão do amor
infinito de Deus.
Jesus
Cristo nos revela em sua vida, palavras e atitudes, um relacionamento peculiar
com Deus, a quem invoca como seu Pai e
para o qual orienta fielmente toda a sua existência.Esse relacionamento implica
distinção do Pai, submissão ao Pai, obediência ao Pai, deixar-se dispor pelo
Pai, abandonar-se ao Pai, reconhecê-lo como o único Deus, levar a humanidade a
reconhecer sua soberania.
Acolher Deus como Deus assumindo a atitude filial de
Jesus Cristo é aceitar o governo de Deus sobre a realidade e sobre a humanidade,
é servir ao Reino de Deus, Sua plenitude consiste “ na liberdade e na glória
dos filhos de Deus “ ( Rm 8,21 ).
Desse
modo, temos uma melhor compreensão da mediação do filho na criação expressa em
vários textos neotestamentário ( Cl 1,15-20; Hb 1,2 s.; Jo 1,1-3 ), que se situam numa
perspectiva histórico-salvífica e escatológica, como vimos anteriormente.
Ação
criativa de Deus não se limita ao início de toda a realidade, pois criando o
mundo, Deus criava também o tempo. Seu ato criador, portanto, se situa na
eternidade, e não no tempo.
Numa
perspectiva trinitária, a ação criadora do Pai se fundamenta em seu amor pelo
filho, nele amando todas as criaturas, a começar pela humanidade de Cristo.
Apenas o ser humano conhece conscientemente e, portanto, pode seguir esse
dinamismo do Espírito.
A
consciência e a identidade das criaturas está em assumir a atitude filial de
Jesus Cristo, possibilitada pelo dinamismo do Espírito de Cristo nelas
presente. Assim elas participam da própria vida de Deus. Estreitamente relacionadas
com o ser humano, pois este pode, consciente e livremente, ser filho no Filho,
concretizando o desígnio último de Deus para criação.
Dado
que a história di ser humano é a história de sua liberdade, e se essa liberdade se realiza no mundo da natureza,
então a história humana está intimamente unida á história da transformação ou
humanização dessa natureza, estando aqui incluída a evolução natural do mundo.
Neste
ponto já se pode facilmente entender que a ruptura do ser humano com desígnio
salvifico de Deus não só incide danosamente sobre ele próprio e sobre seus
semelhantes, mas também sobre a natureza.
O
cristianismo nunca se considerou uma religião de um povo, de uma região ou de
apenas parte da humanidade. O que vimos anteriormente sobre nossa criação em
Cristo já nos indica que Jesus Cristo é o sentido último da existência humana,
sua finalidade e sua realização plena.
Em
épocas passadas, a existência de outras religiões não constituía tanto uma questão teológica e sim um estímulo
missionário para o cristianismo. Adeptos de outras religiões convivem tranquilamente com o cristianismo,
conhecem-no e não se abalam em sua própria adesão religiosa.]
Não
podemos condenar ao inferno os que estão fora da Igreja, como já sucedeu no
passado, nem ir ao outro extremo e afirmar que todas as religiões são boas e
salvam seu adeptos desde que estes as vivam com seriedade, pois estaríamos
negando verdades centrais da fé cristã!.
O
Novo Testamento é claro nas afirmações sobre o papel único de Jesus Cristo como
Salvador de todos. Se alguém fosse inferir desses dados uma exclusividade
salvífca para Israel, seria desmentido por outras afirmações do próprio Novo
Testamento que indicam não estar esta salvação limitada ao âmbito do povo
eleito.
O
Novo Testamento apresenta outros elementos do caráter universalista da salvação
cristã.Pelo fato de ser uma ação escatológica de Deus ( Rom.3,25 s ),
definitiva e válida para sempre, ela não pode ser original ou particularista.
O
problema da tensão entre particularidade e universalidade da salvação cristã
vai girar durante certo tempo em torno de uma expressão lançada por S.Cipriano,
embora já presente nos escritos de Origenes; “ Fora da Igreja , não há Salvação
“.
Cresce
assim a consciência de fé que as pessoas fora da Igreja possam se salvar.
Também acontece uma transformação samântica no termo Igreja. Com o surgimento
do iluminismo, ganha força um certo indiferentismo em matéria religiosa ( todas
as religiões são boas ), reforçado pelas filosofias racionalistas da época.
O
sentido da expressão consiste em
reafirmar que a economia salvifica querida por Deus passa necessariamente por Cristo, e por se Corpo, a Igreja, sem emitir um juízo
sobre a salvação efetiva dos que se acham fora dela.
O
Concílio Vaticano II já dá passos importantes na linha da universidade da
salvação cristã. Pio XII, na Mystici corporis, identificava o Corpo Místico de
Cristo com a Igreja Católica e, conseqüentemente, apenas aceitava que os
cristãos não católicos de boa vontade estivessem “ordenados” a este Corpo
Místico por um desejo que se ignorava ( DS 3821 ). A constituição Dogmática
Lumen gentium, entretanto, afirma apenas que a igreja de Cristo “ subsiste ” na
Igreja Católica ( LG 8 ).
Desse
modo, reconhece nas comunidades criastãs não católicas a ação salvífica do
Espírito Santos, ação que suscita em todos o desejo e a ação em vista de se
constituir um só rebanho sob um único Pastor ( LG 15 ).
A
convicção tranqüila e bem fundamentada que alcançou o Concílio acerca da
salvação dos não cristãos não chegou a se constituir, quando se tratou de
responder a questão sobre o sentido das outras religiões e sobre sua capacidade
salvífica. O tema era novo, e a reflexão teológica da época não havia ainda
amadurecido uma resposta.
A
dificuldade encontrada pelos bispos do Vaticano II em reconhecer o valor
salvífico das outras religiões vai se refletir nos ensinamentos de Paulo VI. Esse fato
aparece com toda nitidez na Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, de 1975.
A
visão de João Paulo II n que concerne ás outras religiões aparece já em sua
primeira encíclica, Redemptor hominis ( 1979 ), quando reconhece a atividade do
Espirito Santos nos adeptos de outras religiões ( RH 6 ).
O
pensamento de João Paulo II aparece,
mais sitematizado e fundamentado, em sua encíclica sobre a validade permanente
do mandato missionário, Redemptoris Missio, de 1990. De um lado, o texto
reafirma Jesus Cristo como salvador único e universal da humanidade, de outro,
reconhece que “ o Espírito está na
própria origem da questão existencial e religiosa do homem ” ( RM 28 ).
Salva
a mediação salvífica de Jesus Cristo, única e universal, “ não se excluem
mediações participadas de diverso tipo de ordem, todavia elas recebem
significado e valor unicamente da de Cristo e não podem ser entendidas como
paralelas ou complementares desta “ ( RM 5 ).
A
salvação da pessoa humana consiste em acolher o próprio Deus que se doa a si
próprio a humanidade por intermédio de Jesus Cristo, e na força do Espírito
Santo. A mediação de Jesus Cristo, nossa salvação, consiste em toda a sua
existência terrena, sua morte e sua ressurreição.
Podemos
já oferecer uma resposta fundamentando-nos no que expusemos até aqui. Toda
pessoa humana foi criada para acolher a Deus como o sentido último de sua vida,
como sua realização suprema, numa palavra, como sua salvação.
A
ação salvífica do Espírito de Deus não se limita ao interior do cristianismo,
pois ele é derramado sobre toda a humanidade ( At 2:17 ) e “ sopra onde quer “
( Jo 3:8 ), precedendo mesmo com sua atividade a proclamação explicita da
mensagem cristã ( At 10, 19.44-47 ).
Nesse
sentido, podemos dizer que o Espírito Santo universaliza a obra salvífica de
Jesus Cristo, inevitavelmente histórica, particular, contextualizada e,
portanto, limitada.
A
reflexão acima exposta fundamenta teologicamente a possibilidade da ação
salvífica do Espírito de Cristo entre os membros de outras religiões. Os
adeptos de outras religiões fazem experiências salvíficas, chegam a paz
interior, a felicidade, a liberdade de espírito, a temperança, ao respeito pelo
semelhante e ao amor fraterno. Seus itinerários salvíficos podem ser diversos das rotas cristãs, pois a ação
salvífica do Espírito não pode ignorar o contexto em que atua, a visão
religiosa dominantes e a ética que lhe corresponde.
Práticas
diferentes das cristãs podem também conter autentica ação do Espírito, porque
só assim pode ser expressa naquele contexto cultural e religioso. No ponto a
que chegamos, podemos melhor compreender o otimismo salvífico do Concílio Vaticano II com relação
“ aqueles que sem culpa não chegaram a um conhecimento expresso de Deus e se
esforçam, não sem, a divina graça, por levar uma vida reta “ ( LG 16 ).
Sabemos
que os testemunhos bíblicos do Antigo Testamento são bastante severos com as
outras religiões. Seus ídolos nada são para fé israelita. Essa atitude critica
continuou nos primeiros séculos do cristianismo, mais indulgente e aberto as
filosofias do tempo.
O
ser humano, como ser eminentemente social, organiza o modo de vida em comum com os demais, criando cultura,
linguagem, padrões de comportamento, instituições, tradições religiosas. A
maior aproximação do cristianismo com as demais religiões não implica que a
recusa de aderir a fé cristã já signifique uma rejeição da ação do Espírito
Santos. Pois não existe fé cristã em estado puro, já que é sempre expressa e
vivida no interior de uma determinada cultura.
Nossas
expressões de fé carregam sempre as características da imperfeição, do
provisório e da fragilidade humana. Nenhuma cultura exaure as potencialidades
do ser humano. Jesus Cristo viveu no interior de uma cultura semita e como
revelador de Deus o fez como um semita.
Mas
também as demais religiões, enquanto exprimem a ação do Deus transcendente,
necessariamente captam e tematizam experiências salvíficas subjacentes nos
respectivos contextos socioculturais.
Atualmente,
a presença atuante do Espírito de Cristo na outra religiões, tal como expusemos
acima, questiona a concepção tradicional de missão. Essa pressupunha nos povos
a evangelizar não só o desconhecimento da salvação cristã, mas ainda a ausência
dela nesses povos.
Hoje
temos forte consciência de que a atividade missionária tem no melhor
conhecimento das outras culturas e no diálogo inter-religioso sua mais forte
motivação.
Acolher
a ação salvífica do Espírito que nos leva ao seguimento de Jesus Cristo já é
experimentar a salvação oferecida pelo Pai. Acolher a ação do Espírito
significa necessariamente, já que não somos puros espíritos, expressar nossa
atitude fundamental cristã e visibilizar nosso compromisso com o Reino de Deus.
Viver
uma vida orientada para Deus e o irmão não torna o cristão imune aos conflitos,
as tensões, as tentações e as possíveis desvios e retrocessos.
São
Paulo é muito claro ao afirmar que o Espírito de Cristo, que está presente e
ativo em nós, liberta-nos da lei do pecado e da morte, faz-nos viver uma nova
vida, inspira-nos um outro comportamento e capacita-nos a caminhar sob sua
inspiração ( Rm 8, 1-17 ). Contudo, o mesmo S. Paulo adverte os cristãos para que não sejam presumidos (
Rm 11,20; I Cor 10,12 ), pois também ele podem cair em conseqüência das
preocupações egoístas que buscam satisfazer suas cobiças.
Daí
a freqüência com que aflora nos escritos neotestamentários a exortação a
vigilância. Também os cristãos podem desperdiçar a graça de Deus a regenerar
Jesus Cristo ( Jd 4 ), podo-se numa situação pior do que a que antecedeu sua
conversão ( Lc 11,26 ).
O
cristão, como vimos, é aquela pessoa que procura viver para o semelhante, na
fidelidade possível á ação do Espírito, experimentando aí profunda realização existencial e o sentido
último de sua biografia. Já vimos que o ser humano, como espírito encarnado, se
realiza no confronto com o mundo externo, que constitui a situação em que se
encontra sua liberdade.
Por
outro lado, esses elementos da situação concreta em que se encontra a liberdade
dispõem de leis, de finalidades e de tendências próprias que pressionam para
alcançar satisfações imediatas, objetivos particulares ( setoriais ), soluções
correspondentes e harmônicas.
A
cultura dominante na atual sociedade é profundamente individualista e
hedonista, privilegiando o lucro e a produtividade em prejuízo da pessoa
humana. Ele não só gera desigualdades escandalosas e maiorias carentes, mas
pressiona a liberdade dos cristãos, dificultando a vivência dos valores
evangélicos.
O
cristão vive a atitude fundamental de Jesus Cristo por meio de suas opções
concretas, as quais por sua vez, se constituem no confronto com a situação
presente. A opção representa sempre uma síntese da liberdade original e da
situação em que se concretizou.
E,
além disso, devemos considerar que também somos co-autores da situação
concupiscente em que se encontra nossa liberdade, em razão dos resíduos dos
pecados passados e, nós e da repercussão deles nos outros.
Quanto
mais avançamos no seguimento de Cristo, tanto mais percebemos a ação do
Espírito em nós e tanto mais experimentamos quão prosaico e atrofiado é nosso
amor fraterno, quando confrontado com o amor radical de Deus por nós.
Já
vimos como o processo de libertação da liberdade amadurece pelas opções
concretas boas, no confronto constante
com a situação encontrada, exigindo, por vezes, generosidade e renúncia.
A experiência nos demonstra que novos apelos e novos imperativos solicitam o
cristão ao longo de toda a sua vida.
De
fato, essa orientação se assemelha ao equilíbrio de uma bicicleta, que só existe quando este
veículo está em movimento. Se caracterizamos mérito a exigência legal de uma
recompensa justa por alguma realização, podemos dizer que tal idéia é estranha
ao Antigo Testamento.
O
ser humano jamais se coloca diante de Deus como diante de um igual, para reivindicar recompensas pelo que fez. O
Novo Testamento, apesar das imagens e dos conceitos que indicam a influência do
judaísmo ( Mt 5,12; 6,1; 10,41 s.; Lc 6,23; 14,11 etc. ), a mensagem de Jesus
Cristo separa mérito de recompensa.
Porque
o ser humano é um servo inútil, incapaz de reivindicar pagamentos a Deus ( Lc
17,7-10 ). Com sua doutrina da
justificação, Paulo rejeita pela base a concepção farisaica do mérito.
Ninguém
se salva pelas obras da lei ( Rom 3,9-20 ), e o valor salvífico de que fazemos
de bom tem sua razão em Jesus Cristo, como bem observa São João na parábola da
vinha e dos ramos ( João 15,1-6 ).
Agostino
foi o primeiro teólogo a apresentar uma reflexão mais sistemática sobre esse
tema. Afirmava ele que o ser humano está de tal modo marcado pelo pecado que, o
que faz de bom, o faz pela graça de Deus.
Duns
Scoto separa ato bom do mérito respectivo, e os nominalistas vão além,
afirmando que Deus pode, em sua autonomia ( potência absoluta ), reconhecer
como meritórios os atos bons do pecador. Aceitar que o ser humano possa
acumular méritos diante de Deus seria cair na tentação do farisaísmo ( Deus nos
deve uma recompensa por nossas boas obras e do pelagianismo ( a pessoa
pode realizar algo meritório por suas
próprias forças ).
Os
luteranos, “ quando vêem as boas obras do cristão como “ frutos “ e “sinais” da
justificação, não como “méritos”
próprios, não deixam, no entanto, de considerar a vida eterna como “recompensa”
imerecida no sentido de um cumprimento da promessa divina aos fiéis” (DC 39).
Uma
reflexão teológica sobre o mérito deve ultrapassar os modelos e as imagens
oferecidos pela Sagrada Escritura e ainda presentes na tradição e na
terminologia do Concílio de Trento.Tendo presente o conceito d liberdade
profunda, visto anteriormente, podemos dizer que ao longo de nossa história
vamos nos fazendo e nos plasmando e com nossas opções livres ( liberdade de
escolha ). Por outro lado, se observarmos ser a orientação profunda de nossa
vida para Deus o amor comprometido pelo próximo necessitado e ser o céu a visão
beátifica, a manifestação gloriosa desta realidade escondida e amadurecida até
o momento de nossa morte, então concluiremos que os termos mérito e recompensa
são apenas expressões pouco felizes para exprimirem a identidade da história da
nossa liberdade e da nossa felicidade eterna.
Desse
modo, mais do que falar de mérito devido á conotação jurídica que pode ter esta
palavra, seria mais oportuno tomarmos como modelo representativo a Aliança
gratuita de Deus com seu servo e as
correspondentes promessas divinas. A razão profunda desse fato esta na
modalidade do relacionamento entre Deus e nós. Trata-se de uma relação de amor,
de se nos doa a si mesmo e nós que nos doamos a Ele como resposta.
O
tema clássico do mérito aponta-nos outra questão que não pode ser omitida num
estudo sobre a salvação cristã. Nosso compromisso fraterno admite um
crescimento, podendo se tornar mais profundo, mais intenso, mais transparente, mais autentico.
Aliás,
o crescimento em graça vai unido a um
progresso no conhecimento de Deus ( Cl 1,10; 2 Pedro 3,18 ). A meta desse
crescimento é tornar realidade, do modo mais perfeito possível, a “atitude
Cristo”, é formar Cristo em si ( Gl 4,19 ), é se identificar existencialmente
com Ele ( Gl 2,20 ), tê-lo como a própria vida ( Cl 3,4 ). Elemento
decisivo para esse crescimento é o amor fraterno como tão bem enfatiza S. Paulo
( I Cor 13,1-13 ).
Contudo,
o crescimento em graça não é simplesmente o resultado de novas opções boas.
Pois a liberdade atua sempre numa situação concreta, de cunho pessoal e contextual. Essa situação contém
necessariamente dinamismos próprios, tensões setoriais, tendências
egocêntricas, forças veladas, mas não menos atuantes, de inércia, de rotina e
de comodismo.
Portanto,
o crescimento em graça não decorre automaticamente das novas opções concretas,
mas exige também a purificação dos motivos presentes nas ações que realizamos.
A
existência cristã de caracteriza pela atitude fundamental de Jesus Cristo que
enquanto vivida na condição humana corpora e social, bem como expressiva e
cultural, se manifestará visivelmente na vida de cada cristão e mesmo na
sociedade humana.
A
Igreja por iniciativa de Deus, que, por intermédio de seu Espírito, convoca
homens e mulheres a assumirem a vida de seu Filho Jesus Cristo. A Igreja é obra
de Cristo e do Espírito. Jesus Cristo uniu a realidade do Reino de Deus a sua
pessoa, a sua práxis.
A
ação do Espírito Santo, enquanto livremente acolhida pelos primeiros
discípulos, leva-os a confessar Jesus com “ Senhor e Cristo “ ( Atos 2,36 ). A
resposta humana também é constitutiva da
Igreja. Mas essa resposta significa entrar em comunhão com o Pai e o Filho ( I
João 1,3 ) e com o Espírito ( 2 Cor
13,13 ).
Essas
experiências, provenientes do mesmo Espírito e lidas do mesmo Jesus Cristo
ressuscitado, não permanecerão
confinadas a cada indivíduo, mas ganharão necessariamente uma dimensão
comunitária por serem comuns a todos os que acolhem o Espírito.
O
que se proclama afinal é a existência de Cristo, sua atitude fundamental, e
também a existência dos Cristãos que buscam viver essa mesma atitude.
Os
que aceitam sua proclamação de Jesus Cristo, nossa salvação, reestruturam sua
vidas a partir de sua vida, paixão, morte e ressurreição. Assim ganham uma nova
identidade social e são conhecidos como cristãos.
Tudo
deve contribuir para que ela deixe transparecer o Reino de Deus. Também suas
instituições e estruturas devem estar a serviço da ação salvífica do Espírito
de Cristo.
Assim
um ato sincero movido pelo amor fraterno pode ser interpretado como um ato
interesseiro ou de mera conveniência
social. Pode se dar que uma ou outra dessas manifestações denote mais
claramente sua raiz cristã pelo que exige de renuncia ou pela novidade que
representa.
A
ação salvífica do Espírito de Cristo, acolhida pelo ser humano na fé, se manifesta
assim em ações visíveis, que nenhum outro objetivo tem a não ser manifestarem
essa realidade salvífica.
A
graça está aqui para auto-comunicação de Deus e voltada para o semelhante.
Conseqüentemente, afirmam todos os
sacramentos a mesma realidade: expressam a atitude fundamental cristã, a
resposta da pessoa humana a Deus que ela se doa a si próprio.
A
eucaristia desvela se sentido enquanto expressa toda a vida de Jesus Cristo,
entregue pela nossa salvação. Os termos “corpo” e “sangue” expressam a própria
existência de Cristo. Essa é “dada” por nós é derramada por nós, para remissão
dos nossos pecados.
Como
Jesus Cristo foi aquele que soube ouvir e por em prática, de modo perfeito, a
vontade do Pai, assim sua vida constitui o desenrolar dessa mesma vontade.
Essa
oração fundamental está na raiz das diversas modalidades de oração: oração e
adoração, de louvor, de petição, de agradecimento, de arrependimento. Todas
refletem e se originam da atitude fundamental do cristão, de sua entrega a Deus
no semelhante. Quanto mais autenticamente a vivemos, tanto mais autenticamente
rezamos.